sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Caminho de Santiago 2016 - Caldas de Reis a Santiago de Compostela

Acordei, olhei para o relógio: são 5h. Bolas! Devo ter desligado o despertador das 4h a dormir.
Rapidamente arrumo as coisas todas e vou para a entrada do albergue, ainda tenho de tratar dos meus pés. Com gaze gentilmente oferecida por outro peregrino, comecei por envolver o mindinho direito, estava menos mal que o esquerdo e queria ver como me sentia. Com um penso a servir como fita cola a fixar a gaze no sítio, calcei a primeira meia devagar e tento a certeza que não mexia muito a gaze. Ainda não tinha decidido se levaria outra vez duas meias, mas neste momento decidi que sim, precisava do conforto extra nos dedos.
No pé esquerdo foi mais complexo, o mindinho tinha duas bolhas diferentes e os dois dedos seguinte também cada um com a sua. Comecei por envolver o mindinho com uma "dose dupla", para ficar mais acolchoado. Depois, enquanto passava para os dedos seguintes, observei que não poderia colocar no diretamente a seguir, uma vez que já tinha o dobro da quantidade de um lado. Portanto, apenas coloquei no dedo do meio (que no pé não é o maior xD).
O teste demonstrou a funcionalidade do que estava a fazer, se conseguiria andar. Com uns primeiros passos feitos a custo, não demorou muito a conseguir andar bem. Já eram 5h40 e queria ter saído uma hora antes, tinha de me por ao caminho.
Com o primeiro quilómetro ainda de teste e também com algum cuidado relativamente ao caminho a seguir no escuro, a partir do momento em que saí da cidade e comecei a andar em estradas de terra, com os braços ainda a puxar bastante, fui sendo capaz de progredir a bom ritmo.
Com algumas subidas pelo caminho, parei ao fim de 5km para comer qualquer coisa, a partir dali só queria parar em Padrón.
Os primeiros passos depois de parado foram mais difíceis, tinha de me voltar a habituar as dores para conseguir andar. Ainda estava de noite e seguia sozinho, a neblina ainda pairava a minha frente, iluminada pelos postes de rua.
Enquanto que até aí tinha seguido com lanterna sempre na mão, nesta altura deixei-a guardada na bolsa lateral da mochila e apenas retirava quando, em algum cruzamento, precisava de verificar para onde apontavam as setas. Embora ainda escuro, o caminho não era muito técnico e, assim, permitia-me levar os dois batons nas mãos para auxiliar a progressão.
Sabia que tinha 12km até Padrón, que contava fazer em duas horas e descansar um pouco. Com o sol a aparecer atrás das montanhas lá fui seguindo. As mãos começavam a ficar cansadas de agarrar os batons com força, mesmo variando maneiras de pegar e de fazer força.
Cheguei a Padrón começando a reconhecer o percurso efetuado no ano anterior. Ia observando os marcos do Caminho, que indicam a distância restante até Santiago, e sabia que chegaria a Padrón quando faltassem 23.
Assim que cheguei fui para o café onde, o ano passado, paramos diretamente antes de sair de Padrón, onde o dono, Pepe, nos recebeu muito bem. Com um sumo de laranja e uma lata de atum para comer, em pouco tempo estava a seguir caminho, apesar de querer fazer o resto da distância em 4 horas, sabia que tal poderia não acontecer. À saída, tal como no ano passado, Pepe deu um abraço de boa sorte e palavras de incentivo.
Tinha pela frente uma etapa igual à de ontem, que me separou de Caldas de Reis, 23km de percurso mais de estrada, segundo me lembrava do ano passado.
Com os primeiros passos a muito custo depois de ter estado parado, comecei a ganhar ritmo e a fazer distância, percorrendo uma vez mais os caminhos que tinha feito da última vez com amigos do Caminho.
Fiz duas horas seguidas de caminhada e quando comecei a ficar com fome parei no café onde tinha comido uma "empanada" (nosso empadão) que tinha adorado. Era a meio caminho entre Padrón e Santiago, altura ideal para parar e depois fazer seguido até lá. Uma fatia quentinha no momento e outra guardada para levar.
Uma vez mais, bastaram os 10min que estive parado para custar a andar a seguir. Mas desta vez não iria parar até chegar ao meu destino, cada paragem custava mais a arrancar de novo. 12km, duas horas para chegar ao meu destino e acabar esta aventura.
Passado pouco tempo, ainda com pouco mais de hora para chegar, comecei a sentir uma outra coisa a chatear, a sentir eventualmente uma nova bolha a formar-se. Desta vez no próprio pé, esquerdo e bem junto aos dedos. Ainda ontem comentava que as minhas únicas bolhas seriam nos dedos, que os meus pés estavam impecáveis, mas agora estava a observar-se que não era o caso.
A habituação às outras bolhas manteve-se da mesma maneira, especialmente com o acolchoamento da gaze, mas esta nova não me permitia habituar, era nova e incomodava cada vez mais, doía a andar. Além da bolha, comecei a sentir as pernas cansadas e a custarem a mexer, os mais de 200km estavam a começar a pesar bastante.
Para piorar a situação, já a menos de uma hora do destino, sem querer comecei a seguir um caminho alternativo, que por vezes leva por sítios mais "tradicionais", mas que também aumenta a distância. Honestamente, neste momento não queria nada disso, só queria chegar. Apercebi-me disso enquanto ia andando e nada do que via era minimamente semelhante com o que me lembrava do ano passado, tinha algum receio de me ter enganado, mas marcos semelhantes aos anteriores iam indicando a distância. A única diferença era que estes marcos de pedra não indicavam a distância, tinham uma seta amarela e eram garantidamente muito mais novos que os outros.
Quando voltei a entrar em percurso que conhecia ainda pensei que tivessem alterado parte do mesmo por algum motivo. Mais em baixo, antes de começar a subir bem e entrar na cidade, reparei numa bifurcação as setas amarelas pintadas a mandar pelo lado que tinha já feito o ano passado é um desses marcos a mandar para outro. Como não queria andar ainda mais, fiz o que já conhecia e que seria mais direto.
Depois de subir durante mais de um quilómetro seguido, estava a entrar em Santiago. À entrada faz lembrar Valença, que para chegar ao destino tem de se subir uma avenida, mas esta era maior, tinha de continuar a subir ainda mais. Para piorar, havia ainda menos setas a indicar o caminho, daquilo que se vai vendo na parte espanhola do Caminho. Portanto, com alguma insegurança se estaria a ir corretamente, lá fui subindo até que cheguei a uma passadeira de que me recordava. Passando essa passadeira, apenas virar à esquerda e já se via a catedral ao fundo, surgir por cima dos edifícios.
Com a rua cheia e movimentada devido às várias lojas, fui andando devagar e cheguei finalmente à Catedral. Cheguei finalmente ao meu destino, ao fim de cinco dias de caminhada e algum sofrimento!

Não tinha muito tempo, eram 14h e queria voltar para o Porto às 17h.
Encaminhei-me diretamente para o local onde levantaria a Compostela, mas não estava lá nada. Perguntei a uma pessoa onde poderia levantar e indicou-me que tinha mudado de sítio, para perto da praça principal à frente da catedral. Pelo caminho perguntei mais 3 vezes, sempre a achar um pouco estranho o local para onde me mandavam. As instalações novas pretendiam ser melhores e mais rápidas a atender, num edifício que parecia ser um convento.
Demorei uma hora a receber a Compostela, já eram quase 15h30.
Com bastante sofrimento dos pés depois de ter estado parado na fila, fui para a praça tirar umas fotos com a catedral nas costas, merecia uma "selfie" depois de todo este sofrimento.

A mancar um pouco, encaminhei-me para o terminal de autocarros para voltar para o Porto. Fecho o dia de hoje enquanto estou no autocarro de volta para o Porto.

A etapa de hoje de 43km foi feita em 7 horas de caminhada, para o qual tive de fazer mais de 55 mil passos e queimar 4500 kcal. Foi a conclusão do Caminho, a conclusão de uma aventura que me propus fazer, de um desafio que estabeleci pessoalmente.

3 comentários:

  1. Os meus parabéns! Segui com muito interesse esta aventura. Amanhã começo eu o meu caminho. Sozinho e de modo bem mais suave, desde os Carvalhos até Santiago. Espero ter apreendido alguma coisa de útil nestes seus relatos. Parabéns, mais uma vez.

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  2. E eis que também fiz o meu caminho. Estou feliz e escrevo aqui pq encontrei um runner a fazer grandes marcas que conhece o João Trigueiros. Chama-se Diogo e vive em Lisboa, embora eja natural de Leiria. Espero que tenha terminado o caminho com uma excelente marca. Eu, com 50 anos, fiz o seguinte caminho: Inicio: dia 3 de setembro nos Carvalhos pelas 8 horas até Vairão. Depois até Barcelos. Depois até Pinte de Lima. Depois até Rubiães. Depois até Porrino. Depois POntevedra. Depois caldas de Reis. Finalmente chego a Santiago às 7.30 de sábado, dia 10. Nada mau, hein? Abraço. Next camino em 2021 camino frances.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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